A Agricultura no século 20



Justus von Liebig

O ano é 1824. O país, Alemanha. A cidade, Giessen. O famoso cientista Justus von Liebig, aquele que inspiraria todo estudante de química das décadas seqüentes, é nomeado professor da Universidade de Giessen. Durante 28 anos Liebig ministrou aulas a alunos encantados com as possibilidades da química. Após a 2ª Guerra Mundial, a universidade passa a se chamar Justus Liebig University e seu antigo departamento é transformado em Museu, um dos mais importantes até hoje.

Justus von Liebig

Justus von Liebig é chamado o pai da agricultura moderna. A Lei de Liebig – lei do mínimo – é ensinada aos estudantes de agronomia em todo o mundo. Nela, o crescimento das plantas é determinado pelo elemento presente no solo na mínima quantidade adequada, de maneira mais simples. Isso quer dizer que as plantas crescem de acordo com os elementos encontrados no solo. A partir disso foi fácil concluir que era só adicionar NPK (nitrogênio, fósforo e potássio) que as plantas cresceriam mais. Esse foi o início da era dos fertilizantes químicos.

A fórmula NPK é vendida até hoje como adubo. Sim, faz as plantas crescerem e em contrapartida enfraquece o solo e faz a planta adoecer. Como um dependente químico, planta e solo perdem sua harmonia, um já não tem capacidade de doar ao outro e ambos adoecem. A invenção de Liebig alimentou em nós a sensação do controle sobre a Natureza. Agora o homem acharia que pode controlar a produção de alimentos, não haveria mais fome: – Queremos o dobro de beterrabas agora! E assim tivemos.

Século 19: O início de tudo?

Por alguns anos todo agricultor que adicionava adubos químicos na terra teve sua produção aumentada, frutos desenvolvidos, boa produtividade. Com o tempo começaram a aparecer invasores, muitos deles. Para que o homem considerasse outros seres uma praga exterminável foi fácil. Gafanhotos, moscas, ratos, bactérias são consideradas pestes enviadas por deuses muito antes dos tempos egípcios. As pragas então poderiam e deveriam ser combatidas. Até aí foram poucos pesquisadores que questionaram de onde vêm as pragas, suas causas. Um deles foi Julius Hensel, contemporâneo de Liebig.

Seu estudo sobre pós de rocha parece ter saído recentemente de um curso sobre agroecologia ou agricultura orgânica e sustentável. Diferentes entre si, tais modelos de agricultura não se apóiam na utilização de fertilizantes ou venenos sintéticos. Abastecem-se de sais minerais encontrados principalmente nas rochas, como fonte elementar para a estrutura química do solo e, assim, das plantas e de quem se alimentar delas. “Alimentos saudáveis, provenientes de um solo saudável geram pessoas saudáveis, nutridas e ainda podem eliminar a fome do mundo”. Era o que Hensel já dizia no século 19, o mesmo slogam da geração de alimentos corretamente ecológicos de hoje.

Hensel e Liebig também podiam ser compatriotas, mas não eram de maneira alguma partidários. Acabar com a fome era uma das metas da Alemanha pré-nazista, o calcanhar de Aquiles para a soberania de qualquer país. Restava saber qual a forma seria utilizada, se os baratos pós de rocha de Hensel – hoje se compra pó de rocha industrializado a preços nada solidários – ou a fabulosa fábrica de fertilizantes.

Revendo o passado

A história nos mostra que a Alemanha do início do século 20 foi culturalmente e cientificamente próspera. De suas fábricas saíram corantes sintéticos, a aspirina, anestésicos, medicamentos, conservantes, fertilizantes e uma infinidade de outras invenções químicas. Suas universidades eram conceituadas, principalmente nos ramos da química e da física. A conquista de mercado pela Alemanha ultrapassava a Europa e se estendia às Américas. Explicar o Nazismo sem considerar a vanguarda da industria química alemã da época é negar as bases tecnológicas que levariam uma nação a enfrentar o restante dos países. Devemos lembrar que os agrotóxicos foram originariamente concebidos como aparatos de guerra e depois reconstituídos e disseminados pelo mundo como defensivos agrícolas. Nesses últimos séculos, muitos pacifistas não foram ouvidos – foram assassinados ou então processados como foi Hensel.

Assim, Liebig continuou seus estudos, sintetizou leite em pó, detergente… ele costumava falar que o homem só seria civilizado se usasse sabonete. E começamos a usar sabão para tudo, até para ‘limpar’ as plantações e colocar mais inseticida. Hoje a gente limpa, limpa, limpa e continua vindo barata, rato, mosca… Com a quantidade de inseticida que já usamos não deveriam eles estar extintos? E por que as araras-azuis e micos-leões é que correm perigo? Hoje tomamos antibiótico e as bactérias parecem uma praga, ficam cada vez mais resistentes. Por que?

Liebig não pôde ver as maravilhas que seus estudos nos trouxeram, até porque não viveu para isso. Se o Prêmio Nobel tivesse sido inventado antes de sua morte, Liebig provavelmente teria um, afinal muitos simpatizantes seus o receberam, como exemplo:

1918, Fritz Haber, Nobel de Química pela síntese de amônia a partir do hidrogênio e nitrogênio, representando assim a invenção dos fertilizantes químicos para agricultura, mas não somente para ela. A amônia é usada na fabricação de bombas e isso possibilitou que a Alemanha fabricasse explosivos. Apesar de colaborar com o exército alemão Haber terminou seus dias exilado, por ser judeu. Ele foi responsável pelo ataque com cloro na batalha de Ypres, ato que foi considerado o estopim para a pior guerra química que a humanidade enfrentou, a 1a Guerra Mundial.

1931, Karl Bosch, Nobel de Química pelo desenvolvimento de métodos para tratamento químico com alta pressão. Bosch foi sucessor de Haber na síntese de amônia, através dele sua produção deu-se em larga escala. Também em larga escala, foi seu processo de produção de hidrogênio e metanol de monóxido de carbono e a fixação de nitrogênio. Graças a esse processo, não faltaria amônia para explosivos nem nitrogênio para fertilizantes. Bosch foi presidente do complexo químico alemão, o famoso cartel chamado IG Farben, antes e durante o regime nazista. Nos complexos da IG Farben, muitos judeus trabalharam como escravos e serviram de cobaias para experimentos químicos.

1939, Paul Muller sintetiza novamente o organoclorado DDT*. Iniciou sua carreira na poderosa Geigy AG, Suíça. Recebe em 1948 o Nobel de Medicina por estudar suas propriedades inseticidas no combate ao vetor da Malária. O DDT foi muito utilizado em guerras para a prevenção de soldados contra pulgas, os vetores da Tifo. Hoje é proibido em todos os países pelas suas propriedades cumulativas, carcinogênicas e teratogênicas. Um produto derivado do DDT, o Neocid, largamente utilizado na agricultura, também é muito comum para matar pulgas e outros insetos.

É preciso lembrar que a derrota dos países em guerra rendeu aos demais seu conhecimento tecnológico. Muitos cientistas japoneses e alemães foram transferidos para os complexos militares e industriais da Rússia, EUA, França, Inglaterra e Suíça sem passar por nenhum julgamento. As fórmulas químicas da IG-Farben foram tratadas como informações secretas e seu complexo industrial dividido entre as empresas Bayer-Basf-AGFa. Após a reconstituição da Europa devastada, o mundo viu surgir a ameaça nuclear com a Guerra Fria. Na disputa entre o mundo livre e a bandeira vermelha, diversos países sofreram na pele os efeitos das armas químicas. E enquanto alguns sofriam represálias, outros recebiam atentados e a maioria foi incentivada a entrar no modelo da agricultura moderna.

O trágico fim

Liebig ficou conhecido pelas suas descobertas na química. Por muitos anos acreditou que o desenvolvimento daria-se somente através da ‘correção’ dos ‘defeitos’ da Natureza pelo homem. Além de grande cientista, Liebig ao final percebeu a grandiosidade da vida através dos processos químicos. Seu legado perpetuou-se por gerações, mas por interesses mercadológicos seu reconhecimento frente ao poder da Natureza não.

Logo após sua morte o Salitre do Chile utilizado na fabricação de explosivos foi monopolizado pelos ingleses (Guerra do Pacifico, 1879 – 1883) e sua moderna industria química tornaria-se a principal fonte alemã de matéria prima para explosivos num futuro próximo. Liebig suicidou-se. Um fato não lembrado pelos livros de história foi sua lápide.

“- Pequei contra a sabedoria do Criador e com razão fui castigado. Queria melhorar o seu trabalho porque acreditava, na minha obsessão, que um elo da assombrosa cadeia de leis que governa e renova constantemente a vida sobre a superfície da Terra tinha sido esquecida. Pareceu-me que este descuido tinha que emendá-lo o frágil e insignificante ser humano.” (1803-1873)**.

Reportagem especial de Clarissa Tag
Revista Consciência.Net, junho de 2005