Plantar florestas para estimular o crescimento



Produtores usam modelos de restauração que geram renda e protegem o meio ambiente.

O papel que as florestas exercem para o meio ambiente e bem-estar humano já é bem conhecido pela ciência. Elas revitalizam o solo, protegem nascentes e corpos d’água cruciais para o abastecimento humano, e retiram carbono e poluição de atmosfera, entre os muitos benefícios. A importância é tamanha que o próprio Estado brasileiro se comprometeu a não apenas reduzir o desmatamento, como também restaurar e reflorestar 12 milhões de hectares de florestas até 2030.

Apesar disso, o Brasil ainda enfrenta dificuldades em conservar e reflorestar. Um dos principais gargalos é justamente o do financiamento. A restauração florestal custa dinheiro. Com o país enfrentando uma severa crise econômica, com riscos de recessão, por que colocar recursos no plantio de árvores?

Produtores rurais, empresários e iniciativas em todo o mundo mostram que essa contradição não existe mais. É possível plantar florestas nativas e sistema agroflorestais e, a partir delas, movimentar a economia, gerando renda para o produtor rural e, consequentemente, aumentar o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro.

Temos um grande potencial de aumentar a participação da economia da floresta em sua economia. Vejamos, por exemplo, o caso da Finlândia. No país, a cadeia de florestas produtivas responde por um quarto do PIB. Enquanto isso, no Brasil, o setor florestal corresponde a apenas 1%, puxado principalmente pelo setor de celulose. Temos claramente uma oportunidade econômica a ser aproveitada com nossas espécies nativas.

O primeiro passo para impulsionar nossa economia florestal está em dar atenção para a imensa quantidade de áreas degradadas em todo o país. Segundo a Embrapa, o Brasil tem pelo menos 30 milhões de hectares de pastagens desgastadas com baixa aptidão agrícola que poderiam ser convertidos em florestas. Ao todo, estima-se que 140 milhões de hectares já não ofereçam condições de uso econômico, seja por degradação ou erosão. É como se o Brasil jogasse fora uma área superior a todo o território do Peru. É a mesma falta

de juízo econômico de abrir uma nova indústria do zero quando já se tem fábricas prontas, mas cujas máquinas apresentam problemas de produtividade.

Como podemos transformar áreas degradadas em territórios produtivos, com espécies nativas tropicais de valor econômico e sistemas agroflorestais, e alavancar uma nova economia florestal? Em várias regiões do Brasil, produtores estão tentando diferentes modelos de restauração florestal que protegem o meio ambiente e geram renda. Já há exemplos que mostram que são modelos robustos e com grande potencial de geração de renda.

Veja o caso da AgroItuberá, empresa do setor de borracha, do Sul da Bahia. Ela optou por um sistema agroflorestal — uma forma de plantio que integra lavoura com florestas. A companhia passou a misturar as seringueiras com o cultivo de cacau e banana. Esse sistema agroflorestal simplesmente triplicou a produtividade em relação ao que se obtém hoje na Costa do Marfim, líder mundial na produção de cacau. Lá colhe-se 0,5 tonelada por hectare. À sombra das seringueiras, os pés de cacau produzem 1,5 tonelada de cacau por hectare. Na ponta do lápis, isso representa uma taxa interna de retorno entre 14% e mais de 20%. Um excelente investimento, um ótimo negócio.

A restauração de florestas e sua integração com agricultura e pecuária geram uma produção diversificada e, portanto, menos exposta à volatilidade dos preços e aos riscos das pragas e doenças que oneram o custo das lavouras e causam perdas. Combinar florestas com a produção de alimentos, integrando espécies com distintos tempos de maturação, gera renda ao produtor no curto e médio prazo, com a venda das culturas anuais e sub-produtos das florestas, e no longo prazo, com madeiras nobres de crescimento mais lento.

Em Santa Catarina, pequenos produtores estão experimentando esse sistema restaurando áreas degradadas com araucárias, erva-mate e palmito-juçara — espécies nativas que, por isso, podem inclusive ser cultivadas em áreas de Reserva Legal e áreas de uso alternativo, aliando lucratividade com a regularização no Código Florestal.

Os produtos da restauração florestal e florestas podem criar um grande mercado de artigos madeireiros e não madeireiros, como sementes, fibras, frutas, óleos, borracha. Mesmo a madeira de origem legal e certificada pode ser produzida para essa economia. Não faltam exemplos de destaque. No Sul da Bahia, a Symbiosis investe em 22 espécies diferentes de árvores nativas da Mata Atlântica para a produção de madeira. No Pará, a Amata apostou no paricá, árvore nativa da Amazônia, para geração de madeira certificada. Mesmo em biomas não-florestais, como o Cerrado, existem elementos de grande apelo comercial, como o óleo de macaúba (palmeira nativa) como uma alternativa para o dendê.

Esses exemplos podem ser o ponto de partida para identificar sistemas escaláveis, de boa liquidez, equacionando gargalos e capitalizando oportunidades. Tendo boa parte de nossos principais biomas constituídos originalmente por florestas, deixar de aproveitar o potencial das espécies nativas é desperdiçar uma enorme oportunidade de crescimento.

Mais de 30% dos solos do mundo estão degradados, segundo a FAO. Em um mundo que abrigará 10 bilhões de seres humanos, em pouco mais de três décadas, não podemos abrir mão dessas terras. Uma nova economia florestal baseada em reflorestamento com espécies nativas e sistemas agroflorestais pode ser o primeiro passo para colocar o Brasil na vanguarda desse novo modelo de produção de alimentos — e para nos tirar da linha de frente das nações que mais perdem cobertura florestal tropical no mundo. O caminho já começou a ser plantado: basta escolher a semente certa para colher crescimento econômico com sustentabilidade.

Há 140 milhões de ha de áreas degradadas ou erodidas que podem ser transformadas em territórios produtivos.

 

Por Miguel Calmon

Fonte: Valor Econômico