Desde a época em que trabalhei como pesquisador na Seção de “Matéria Prima” do Instituto de Tecnologia de Alimentos de Campinas, nas décadas de 70 e 80, que eu achava muito estranha aquela visão puramente industrial de se conceituar os alimentos. Naquela visão industrialista, os alimentos na sua forma natural não passavam de meras, e por conseguinte desvalorizadas, “matérias primas” destinadas a produzir, na visão míope daquela época, um alimento “superior” industrializado, padronizado, massificado, mas porém, desvitalizado e, por isso mesmo, bastardizado.
Na década de 80, o bacana era alimento industrializado. Sucos de fruta com reduzido valor nutricional, “leite” de soja alergênico, leite longa vida UHT totalmente desprovido de suas enzimas e vitaminas, carnes embutidas e conservadas repletas de sódio e de nitratos cancerígenos, frutas em calda ou em forma de doces de corte repletos de açúcar e por conseguinte obesogênicos, margarina com óleos ômega-6 pro-inflamatórios e gordura trans, mas vendidas como “boa para o coração” até com o aval, que eu duvido que tenha sido de maneira desinteressada, da Sociedade Brasileira de Cardiologia.
Vivíamos a época da “fortificação” dos alimentos, ou seja, removia-se todos os minerais e vitaminas no processo de beneficiamento dos grãos e depois “inteligentemente” se adicionava ferro numa forma inorgânica de baixa absorção pelo organismo e que contribui ainda mais para o problema da sobrecarga férrica ou Iron Overload, além de acido fólico também em uma forma inexistente nos alimentos e que hoje sabemos fazer mais mal do que bem, posto que está em uma forma não metilada e, portanto, não natural.
Jamais foi, por aqueles senhores que fundaram o ITAL, reconhecido o fato incontestável e cristalino que, nem com toda a nossa imensa tecnologia disponível, nem mesmo com a tecnologia disponível hoje em dia, a industria de alimentos seria capaz de melhorar a qualidade de qualquer alimento pelo processamento desses mesmos alimentos. Jamais em tempo algum. Ponto final.
Quando muito, o processamento poderia manter a qualidade, aumentar a vida de prateleira, e até maximizar os lucros evitando perdas desnecessárias mas sempre as custas da diminuição da qualidade original desses mesmos alimentos, até o ponto deles se tornarem meras sombras daqueles alimentos originais e o maior exemplo desse processo todo seria o pão, conforme bem lembrado pelo meu amigo e colega Graeme Sait em seu ultimo artigo ( 1 ).
A grande realidade, que muitos ainda se recusam a ver, é que nós humanos, apesar de todas as conquistas tecnológicas, ainda somos os mesmos homens da caverna de cerca de 330 gerações atrás, que viviam da caça e da coleta de alimentos e que depois evoluíram para o cultivo e a coleta de cereais. Estamos programados geneticamente e evolutivamente para consumir alimentos de preferência frescos, não processados, diretamente da sua fonte e que, voltar a consumir alimentos com essas características, pode ter um efeito regenerativo muito grande no nosso organismo.
O PÃO NOSSO DE CADA DIA
Alguém ainda tem alguma dúvida de que essa “coisa “ vendida nas padarias brasileiras sob o rótulo de “pãozinho francês” é apenas uma sombra do que foi o pão verdadeiro imortalizado até na oração católica, O Pai Nosso, deixada para todos nós por Jesus Cristo ?
Como é possível conceber, que o alimento que serviu de base para a humanidade, seja hoje um alimento proscrito por ser causador de “intolerâncias” alimentares e ser apontado como um vilão alergênico e obesogênico ?
Quem imaginaria que o sagrado “pão nosso de cada dia” chegaria a ser tão difamado e tão denegrido ? Até ler o artigo do Graeme Sait, eu ainda não tinha pensado nessa hipótese, mas parte da resposta talvez esteja mesmo na chamada “Revolução Verde” e a outra parte na forma de como o pão é feito hoje em dia.
Não é novidade para ninguém que hoje nós vivemos mergulhados, por assim dizer, em um oceano de doenças inflamatórias e degenerativas, a grande maioria das quais perfeitamente reversíveis pela dieta. Existem estudos que demonstram que mais de 70% daquilo que nos torna doentes ou nos mata tem origem na nossa alimentação.
Isso não chega a ser novidade para ninguém. O famoso provérbio de que “você é aquilo que come” ainda continua válido depois de tanto tempo.
Quando nós transformamos uma farinha integral em refinada, nós removemos cerca de 80% do valor nutritivo desse alimento. O pão nesse contexto se transforma em um anti-nutriente.
Um dos processos que requerem mais energia no corpo humano é o processo digestivo, ou simplesmente a digestão e esse processo é movido a nutrientes. Quando um alimento com uma quantidade de nutrientes tão baixa é fornecida ao corpo, e esse alimento ainda precisa ser digerido, pode ocorrer o que é conhecido como perda liquida ( net loss ) de nutrição, que ocorre quando a quantidade de energia que entra no sistema é inferior a quantidade de energia produzida no final do processo. O balanço energético, nesse caso, é negativo.
UM MUTANTE DESMINERALIZADO
A bastardização do pão ancestral, que proporcionou o surgimento da humanidade como nós a conhecemos hoje em dia, começou, ao que tudo indica, com a controvertida “Revolução Verde”. Norman Bourlag, seu idealizador, selecionou híbridos que não cresciam muito para que pudessem receber maior quantidade de fertilizante e com isso produzir mais, sem que as plantas tombassem ( “acamamento”), o que era uma característica das plantas de trigo pré Revolução Verde.
Ocorre que, para isso, ele não recorreu aos métodos tradicionais de cruzamento para produzir sementes híbridas mas irradiou as sementes das variedades tradicionais e selecionou mutantes que hoje se tornaram as variedades consumidas por todos nós. Esse trigo mutante de menor estatura, solucionou o problema de perda de produção ligadas as dificuldades na colheita daquelas plantas que “acamavam” ( tombavam) devido ao seu tamanho e sob o efeito do vento.
Entretanto, esse aumento de produtividade ocorreu as custas de perdas na densidade nutritiva dos grãos de trigo. Sait cita que as variedades de trigo consumidas hoje em dia absorvem menos 50% de Ferro, menos 30% de Cálcio e Magnésio e 20% menos microelementos do que os trigos varietais originais de polinização aberta ( 1 ). Esse mesmo quadro também ocorre entre as variedades híbridas de milho e isso já era sabido desde a década de 30.
Porém, existe um mineral que esse cereal nutricionalmente comprometido não consegue mais absorver. Esse mineral é justamente um elemento raramente considerado em programas de fertilidade e adubação de gramíneas, ou seja, o cobalto. Por menos importante que isso possa parecer, o cobalto é o elemento central de uma importante vitamina, a B12 . Uma das principais razões da maioria de nós hoje sermos carente dessa vitamina é devido a ausência de cobalto no nosso alimento mais consumido.
QUEM PRECISA DESSA “TECNOLOGIA” DE ALIMENTOS?
Os três únicos ingredientes do pão tradicional seriam, fermento natural, farinha de trigo e sal.
Entretanto, hoje em dia, a maioria das padarias usam as chamadas “misturas prontas” que podem conter entre outros, leite em pó, vários tipos de gorduras vegetais, farinha de soja, açúcar, enzima alfa-amilase, e vários tipos de conservantes químicos e “melhoradores” de farinha, um eufemismo para designar alguns tipos de ingredientes químicos exóticos como azodicarbonamida (ADA), que é também um dos ingredientes na fabricação de plásticos (PVC). Essa substância, a ADA, foi removida de todos os produtos de diversas cadeias de fast food americanas devido a sua má reputação, mas no Brasil ainda é amplamente usado. Desde 2005 essa substância foi banida pela União Européia e pela Australia para a fabricação de plásticos cujos usos incluem contato direto com os alimentos.
Quem vocês acham que é um dos principais produtores de azodicarbonamida (ADA) ou aditivo 927a ou ainda aditivo “melhorador” de farinha INS 927a ?
Acertou quem respondeu: A empresa Novozymes que faz parte do grupo Monsanto!
Obviamente, não temos outra alternativa, a não ser desconfiar, quando vemos um portal, supostamente informativo defendendo o uso do ADA , como o site do médico Global, Drauzio Varela, mantido pela UOL, que garante que esse produto, banido em vários países (reconhecidamente causador de alergias alimentares, e proibido na Australia por causar Hiperatividade, Asma, Urticaria, Insônia e Distúrbios no metabolismo da Vitamina E) não faria mal a sua saúde.
Dessa forma, esse seria ainda um motivo a mais para entendermos que esse produto químico deva fazer exatamente o oposto do que é apregoado nesse portal de aluguel ( 3 ).
COMPROMETENDO MINERAIS IMPORTANTES E ENZIMAS PRECIOSAS
As duas maiores carências de minerais do mundo ocidental são de Magnésio e Zinco e é importante entender as causas subjacentes dessas carências generalizadas. Existe uma grande correlação entre o consumo de cereais, o consumo excessivo de pães e a carência de zinco e magnésio. Cereais e grãos contem um ácido natural chamado ácido fítico que se liga fortemente a esses dois minerais tornando-os inaproveitáveis pelo corpo humano. Os compostos formados, fitato de magnésio e fitato de zinco são insolúveis e são geralmente excretados, ao invés de serem absorvidos e aproveitados pelo corpo humano. É importante ressaltar que o ácido fítico é um componente natural de grãos e cereais e que a soja contém a maior quantidade desse composto natural entre todos eles. Os fitatos também são capazes de bloquear a absorção de Cálcio, Ferro, Cobre além de Zinco e Magnésio.
Outro fator que compromete a nutrição adequada é a existência de inibidores enzimáticos tanto nos grãos quanto nos cereais. A menos que os grãos e cereais sejam devidamente preparados para serem consumidos, por meio da neutralização dos fitatos e dos inibidores enzimáticos, esses anti nutrientes irão interferir na necessária absorção dos minerais.
A melhor estratégia para neutralizar esses anti nutrientes nos grãos e cereais seria por intermédio da Pré-Germinação (Hidratação) e da Germinação propriamente dita. Ao serem colocados em contato com a umidade (água), os Lactobacillus que fazem parte da flora normalmente encontradas nesses alimentos se multiplicam, além de permitir que as enzimas e outros organismos benéficos, como as Leveduras, degradem e neutralizem grande parte do ácido fítico contido nos grãos.
A ação dessas enzimas também aumentam a quantidade de várias vitaminas do complexo B. Durante o processo de hidratação e fermentação, o glúten e outras proteínas difíceis de digerir são parcialmente “quebradas” em componentes mais simples de serem digeridos.
Podemos listar 10 bons motivos para hidratar e germinar grãos, cereais e nozes antes de consumi-los :
- Remover ou reduzir o ácido fítico.
- Remover os taninos.
- Neutralizar os inibidores enzimáticos.
- Aumentar a produção de enzimas benéficas.
- Aumentar as quantidade de vitaminas, especialmente do Complexo B.
- Degradar o glúten e facilitar a digestão.
- Tornar as proteínas mais prontamente disponíveis para a absorção.
- Prenevir deficiências minerais e perda óssea.
- Neutralizar toxinas no cólon e mantê-lo limpo.
- Prevenir várias doenças e condições de saúde.
Nesse esse ponto vocês já devem estar se perguntando se existiria uma forma segura de consumir pão ? A resposta é sim. Ela existe. E é por isso que de agora em diante vocês irão presenciar um aumento significativo de padarias artesanais destinadas a produzir o pão artesanal de fermentação natural ou chamado sourdough bread.
Esse é o verdadeiro pão. Qualquer outro tipo industrializado não passaria de uma versão “Fake”, ou mais um Fake Food, como é o caso do “pãozinho francês “.
Os próbioticos que trabalham ativamente na fermentação da massa do pão artesanal não somente predigerem a farinha dos grãos de trigo para aumentar a sua biodisponibilidade, mas eles também consomem e neutralizam o ácido fítico.
Aveia, por exemplo, não deveria ser consumida crua sem hidratação ou sem pré fermentação. O excelente livro da Sally Fallon traz inúmeras receitas de como consumir grãos e cereais, eliminando os chamados fatores anti nutricionais ( 4 ).
Como inóculos podemos lançar mão de produtos fermentados vivos como por exemplo o FloraNew ( ANew) ou até mesmo capsulas de Lactobacillus.
UM ALIMENTO ACIDIFICANTE QUE ENCURTA A VIDA
O nosso equilibrio entre acidez e alcalinidade é muito mais importante do que muitos imaginam. Esse tema foi trazido a tona pela primeira vez por Carey Reams, carinhosamente chamado de “Doc “ por quem o conheceu ( 5 ). Na verdade ele foi a criador da agricultura que hoje é conhecida como “Biological Agriculture” com a sua “Teoria da Ionização” e influenciou toda uma geração de consultores que ajudaram a criar o que hoje é conhecido por Agricultura Biológica ou Regenerativa.
Embora o status quo médico irá lhe dizer que o sangue tem um sistema de auto ajuste do pH, o assunto da acidez metabólica é uma história completamente diferente e hoje, após 40 anos de RTBI (Reams Theory of Biological Ionization), nós temos um volume muito grande de evidências clinicas e de pesquisa que demonstram que a acidez da saliva e da urina são fatores pre determinantes no surgimento de diversas doenças, e não o pH do sangue que sempre vai estar em homeostase.
Ambos fluidos corpóreos, saliva e urina, devem ter idealmente um pH de 6.4 , pela manhã e a maioria das pessoas estão muito acidas, com pH geralmente em torno de 6.0, se avaliadas por esse parâmetro.
Existem vários fatores causadores dessa epidemia de acidez tais como, stress, baixo consumo de frutas e hortaliças, consumo excessivo de proteínas, deficiência do mineral mais alcalinizante, que é o Magnésio, e uma abundância e consumo exagerado de carboidratos refinados, sendo que, os mais acidificantes seriam o açúcar e o pão.
E como o Brasil é o país da piada pronta, o chamado “Pão Francês” só existe por aqui mesmo sendo totalmente desconhecido na França da forma como ele é feito aqui nas terras tupiniquins.
O pão convencional “francês” é um alimento altamente acidificante que, de quebra, quelatiza o mineral mais alcalinizante, o Magnésio, que também é um dos maiores aliviadores de stress que existem ( 2 ). Essa é a razão dos sucos verdes que contém clorofila, e por conseguinte magnésio, serem bastante usados com a finalidade de reduzir a acidez e é por isso mesmo que são tão eficientes.
A SOLUÇÃO PARA O PROBLEMA : FAÇA O SEU PRÓPRIO PÃO!
Algumas vezes se quisermos recuperar a nossa própria saúde, isso irá requerer algum esforço e dedicação. Fazer o nosso próprio pão seria uma das forma de nos livrarmos de uma só vez de toda essa contaminação diária de glifosato usando farinha de trigo orgânica, de nos livrarmos de um alimento acidificante cujo balanço energético é proximo de negativo, cheio de contaminantes químicos, incluindo o Azodicarbonamida, ou INS 297a e, ainda por cima, de um ladrão de minerais essenciais como zinco e magnésio.
O pão ficaria ainda melhor se pudéssemos utilizar o Spelt que é um parente ancestral do trigo e que nunca foi manipulado geneticamente. Ele contém mais proteína que o trigo e é um dos raros cereais que possui ação alcalinizante no nosso corpo. O spelt é muito mais denso em nutrição que o seu primo mutante e contém uma quantidade significativa menor de gluten. Tudo de bom em um único cereal e ainda pode se transformado em pão.
Fica aqui, então, a dica para os agricultores mais imaginativos e inovadores para cultivar o Spelt. E para finalizar eu lembro as palavras de Graeme Sait quando disse : “ Não é difícil escapar de alimentos bastardizados, mas é uma estratégia essencial se quisermos sobreviver nesse mundo comoditizado”. A porcentagem de alimentos industrializados no seu carrinho de supermercado é geralmente um indicativo da sua saúde e longevidade. Nós fomos projetados para consumir alimentos frescos e integrais e se abraçarmos o caminho da alimentação natural, é inevitável que comecemos a ter uma idéia exata dos alimentos como medicinais.
José Luiz M Garcia
Setembro de 2018.
REFERÊNCIAS
- Sait, Graeme (2018) The Bastardization of our Food – The Daily Bread Story ,
https://blog.nutri-tech.com.au/the-bastardisation-of-our-food/ - Dean, Carolyn (2007) The Magnesium Miracle, Ballantine Books, N.Y., 309 pgs.
- Azodicarbonamide 927a.
https://noshly.com/additive/927a/flour-treatment-agent/927a/ - Fallon, S. & M. G.Enig ( 2001) Nourishing Traditions, New Trends Publishing Inc, Washington, D.C., 674 pgs.
- Reams, Carey (1978) Chose Life or Death: Reams Biological Theory of Ionization, New Leaf Press Inc., 176 pgs.
http://groenning.de/download/choose_life_or_death_rbti_carey_reams.pdf
Fonte: Viriditas